domingo, 17 de junho de 2012

A genética ajuda a esclarecer o passado


O médico infectologista Stefan Cunha Ujvari conta como o estudo dos microrganismos pode contribuir para a pesquisa histórica
por Bruno Fiuza
(C) Edu Cesar
Ujvari: "A análise de um parasito mostra que o homem pode ter chegado à América por embarcações"
Um dos maiores inimigos de Napoleão na Rússia foram os piolhos; o homem pode ter chegado à América pelo mar; as doenças que exterminaram os indígenas do Novo Mundo surgiram da domesticação de animais na Ásia. As fontes dessas informações não são manuscritos antigos, mas sim amostras de DNA. O avanço da genética nas últimas décadas criou um novo campo de pesquisas: o estudo do passado com base nos vestígios deixados pelos microrganismos. Em 2008, Stefan Cunha Ujvari, médico infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz de São Paulo, decidiu reunir as descobertas de vários trabalhos do gênero em um livro voltado para o grande público. Assim nasceu A história da humanidade contada pelos vírus. Agora, Ujvari volta ao tema com Pandemias – A humanidade em risco, livro no qual apresenta um panorama das grandes epidemias que assolaram o planeta. Nesta entrevista a História Viva, Ujvari conta como o DNA está se tornando uma nova fonte para o estudo do passado.

História Viva – Como a infectologia contribui para a pesquisa histórica?

Stefan Cunha Ujvari – O estudo do material genético de microrganismos ajuda a esclarecer o que aconteceu no passado. Um exemplo é a peste de Atenas, que castigou a cidade em 430 a.C. Há muito tempo os historiadores debatem a natureza dessa doença. Alguns achavam que era varíola, outros falavam em sarampo ou diarreia. Pensou-se até em ebola. O mistério só foi desvendado na década de 1990, quando arqueólogos descobriram uma vala coletiva da época da peste. Eles quebraram a polpa do dente de algumas ossadas para ver se a bactéria causadora da epidemia tinha parado ali – porque, quando a pessoa morre, todo o organismo se decompõe, mas o dente fica preservado – e encontraram o DNA da Salmonella typhi, bactéria causadora da febre tifoide presente em água e alimentos contaminados. Outro exemplo é a descoberta do que levou à morte de parte do exército de Napoleão na Rússia, em 1812. Em 2001, foi achada na atual Lituânia uma enorme vala coletiva com mais de 2 mil corpos. Os restos de uniforme e os botões nas roupas indicavam que aqueles homens eram do exército do imperador francês. Novamente, os pesquisadores analisaram o material genético armazenado na polpa do dente desses cadáveres e detectaram a presença da bactéria do tifo, que é transmitida pelo piolho.

HV – O que o estudo dos microrganismos revela sobre a chegada do homem à América?

Ujvari – Um grupo de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz analisou fezes humanas fossilizadas – os chamados coprólitos – de múmias pré-colombianas e detectou a presença de um parasito, o Ancylostoma duodenale, causador do amarelão. Esse microrganismo não passa de pessoa para pessoa, porque precisa eliminar seus ovos nas fezes do portador. Se esses ovos caem em solo quente e úmido, eles eclodem e liberam larvas, que entram no corpo humano quando a pessoa pisa descalça nelas. Se esse microrganismo precisa de um solo quente e úmido e é disseminado pelo homem, não dá para esclarecer sua chegada à América pela hipótese do estreito de Bering. Se o homem chegou ao continente apenas por esse caminho, cujo solo era seco e frio, a disseminação da doença deveria ter sido interrompida. Isso reforça a hipótese de que o homem pode ter chegado à América também por embarcações.

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